entramos em zonas confusas, boy. estas mesmas, em tantas partes, incertas. a gente tem tantas moágoas arraigadas que um dia podem vir à tona com o mesmo vento que uma vez as levou. é a história dos ressentimentos, por mais diversas e contraditórias que tenham sido cada uma. foi aí que lembrei daquele russo. aquele que se matou por não esquecer absolutamente nada. achei incrível se matar por motivo assim. não que eu ache incrível alguém enfiar uma faca no coração ou cortar os pulsos, mas não esquecer absolutamente nada? isso é só pra quem pode. até fico na dúvida se devo agradecer pelos buracos da minha memória tão perturbada. o russo cometeu suicídio porque não esquecia nada e a gente fica insistindo nessa sandice de lembrar. pra que pisotear o coração? minha mãe diz que eu perco tempo demais com idéias improváveis e assassinas, e logo sei que, no fundo, ela tem razão. minha mãe é sábia, já te disse isso? mais sábia ainda era a minha avó, uma mulher implacável. quando penso em minha vó não me lembro de uma cena sequer de reclamação. essa mulher aceitava a vida do jeito que tinha de vir, maravilhosa&sofrida, sacana&leal. ela saiu do Nordeste ao Centro-Oeste com cinco filhos pra criar na barra da saia, naquele calor infernal de rachar a cabeça e na mais fodida situação. consegue imaginar? e mesmo assim não me lembro. o que eu via era gana. mas naqueles olhos escuros de jabuticabas eu também via muito ressentimento, muita mágoa de quem não teve tempo pra chorar. muito sofrimento não esquecido, assim como o russo. vezenquando penso que eu, simplista ouvinte, chorei algumas vezes por ela. culpabilidade, sabe? por ser tão mole assim. e hoje nessa noite sem sal, pensando neles, posso afirmar que a gente não consegue esquecer os fatos dos quais uma vez foi vítima, mas espera aferrar-se bem menos às lembranças.
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